segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Filme #34 - Segunda-feira - 09/01/12

5 days of war (ainda sem título em português, 2011)



Baixei aqui.

Quando entrei para a faculdade de jornalismo, me interessava o jornalismo esportivo, jornalismo cultural ou ser correspondente de guerra. Muito rápido saquei que a maioria dos meus colegas de profissão trabalhava cobrindo buracos nas ruas ou maracutaias de vereadores, e logo me desencantei com a carreira, que já não era a que eu mais queria (mas isso é uma outra história, talvez para outro dia). No entanto, o curso me deu uma visão crítica (cínica?) de várias coisas, inclusive sobre a cobertura das guerras. 
O filme abre com a famosa frase do senador americano Hiram W. Johnson: "Na guerra, a primeira vítima é a verdade". A citação de efeito - proferida em 1918 - pode impressionar muitos, mas eu perguntaria ao senador: qual verdade? Um dos mitos do jornalismo em todo mundo é a imparcialidade. Acontece que o jornalismo é feito por pessoas, e as pessoas, por natureza, não são imparciais. As pessoas, em qualquer disputa, tendem a tomar um partido. Experimente assistir a um jogo onde teoricamente você não tem interesse por nenhum dos dois lados: em pouco tempo você terá escolhido um dos times para torcer. Isso é do ser humano, a necessidade de se posicionar. Assim, quando um jornalista vai cobrir um fato, é natural que ele se posicione, motivado por fatores que nem sempre estão claros, nem mesmo para ele. No entanto, o cinema não tem nenhum compromisso de ser imparcial, honesto ou justo. E aí é que a coisa se complica. 
O cinema norte-americano é famoso por tomar partido do lado errado nas disputas. Basta lembrar de John Rambo - o exército de um homem só - expulsando os soviéticos e colocando o Talibã no poder do Afeganistão. Acredito que se Hollywood tivesse florescido mais cedo, teríamos ali por 1934 alguns filmes americanos louvando a reconstrução alemã pelo Partido Nacional Socialista.
5 days of war é um filme baseado em uma história real, sobre jornalistas que foram cobrir a Guerra da Geórgia, em 2008. É um filme sobre guerra, mas não é um filme de guerra. Co-produzido pela Georgia International Filmes, com apoio das forças armadas georgianas e do Banco da Geórgia, é fácil adivinhar de qual lado desse conflito a película estará. 
Aqui cabe uma breve digressão (meus alunos sabem que eu gosto de digressões...): Guerras acontecem desde o começo da humanidade, porém parece que cada vez menos as pessoas entendem as guerras. Existem convenções internacionais que estabelecem crimes de guerra, mas é muito claro que as punições só são aplicadas para aquele que comete o pior crime de todos - ser derrotado. Numa guerra, não existem vítimas inocentes: todos são culpados por pertencer ao povo inimigo. Ou podemos dizer de uma forma diferente: em uma guerra, todas as vítimas são inocentes, já que os soldados não decidem contra quem vão lutar e os donos das decisões quase nunca se tornam vítimas. Uma guerra é algo violento, sangrento, e - pasmem - as pessoas morrem. Civis e militares; homens e mulheres; adultos, velhos e crianças. É ingênuo achar que se faz guerra sem baixas inocentes. Baixas inocentes garantem a vitória em uma guerra. Ok, até aceito o discurso pacifista dos que são contra as guerras. Eu acho inútil (pra mim é como ser "contra a gripe", ela existe e sempre vai existir), mas ok. Agora, eu não aguento o grande número de SOLDADOS PROFISSIONAIS, principalmente norte-americanos, que vêm se levantando contra a guerra. Ora, soldados são treinados para guerrear, e como eu disse, na guerra não existe justiça. Assim sendo, quando se voluntariou para o exército (nos EUA não existe mais convocação há décadas), sabiam - ou ao menos deveriam saber - exatamente para o quê estavam se candidatando. Soldados contra a guerra ou são idiotas ou são hipócritas. (Fecha a digressão).
Como eu dizia, o filme é totalmente pró-Geórgia. E ele te faz tomar partido daquele país, sendo invadido, tão fraco, com um presidente "tão humanista" (interpretado por Andy Garcia)... Os depoimentos das "vítimas inocentes" ao final do filme convence e leva às lágrimas, e talvez tivesse me convencido... Se eu não estivesse lendo um livro de uma jornalista brasileira que esteve lá e conta os mesmos fatos de uma forma diferente (Com vista para o Kremlin, de Vivian Oswald... Vale citar alguns trechos das páginas 189 a 191:
"Logo após a ofensiva georgiana à Ossétia do Sul - que acabou por desencadear a desproporcional reação russa - todos os sites de domínio '.ru' foram tirados do ar na Geórgia. As informações a que se tinha acesso no país eram pró-Geórgia em sua maioria. Na mídia georgiana - majoritariamente favorável ao governo -, ninguém via os ataque das forças nacionais à Ossétia do Sul, nem a situação dos cidadãos russos que fugiram para a Ossétia do Norte. Só se via o revide.
(...)
De olho nos jornalistas estrangeiros, que não paravam de chegar ao país, o governo georgiano improvisou um comitê de imprensa no lobby do hotel, prestando informações em inglês sobre as alegadas atrocidades russas."  
Sobre o bondoso líder georgiano, a jornalista escreveu: 
"O estranho presidente Mikhail Saakashvili mantinha-se praticamente 24 horas no ar. Dava, pelo menos, uma entrevista por dia aos principais canais de televisão, além de longas exclusivas, muitas vezes em inglês. 
(...)
Ex-advogado em Manhattan e ex-aluno da Universidade de Columbia, Saakashvili mostrou dominar a arte de fazer marketing. Esse ex-cidadão soviético disse que a Geórgia tinha 'olhado o diabo nos olhos', ao referir-se à Rússia. Viciado em informação, lia todos os meios de comunicação, a ponto de citar, em minúcia, articulistas ou reportagens durante as entrevistas.
O filme mostra o discurso emocionado ao final da guerra, uma demonstração de força do georgiano. Vivian Oswald descreveu assim:
"No dia em que o acordo de cessar-fogo foi negociado entre a Rússia e a União Européia, Saakashvili surpreendeu a todos com a presença dos líderes da Polônia, Ucrânia, Lituânia, Letônia e Estônia em um imenso palco onde haveria um show de música popular. Tratava-se de uma provocação e tanto aos russos. Eram os chefes de Estado de antigas repúblicas soviéticas e um ex-satélite (a Polônia) com os quais a Rússia se mantinha às turras. Nesse dia, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, que estava em Tbilisi, não apareceu. 
O palco estava no mesmo pátio no qual o governo georgiano montou, a céu aberto. o espaço para as coletivas de imprensa quase diárias. O cenário se compunha de um painel gigante com a imagem da fachada do prédio, então em reforma, margeado por bandeiras da Geórgia e, curiosamente, da União Européia. A Geórgia vivia a alegar que a bandeira era do Conselho da Europa, entidade mais antiga e relativamente menos importante da qual faz parte, que tem como símbolo o mesmo pavilhão azul com estrelas amarelas.
(...)
Após ser criticado e enquadrado por usar indevidamente a bandeira da UE como pano de fundo de suas entrevistas, passou a fazer suas aparições na televisão com um mapa da Geórgia em que apontava com uma batuta a posição das tropas russas."
A jornalista deixa claro:
"Boa parte dos conflitos entre Rússia e Geórgia foi travada não em campos de batalha, mas na mídia, Ameaças, acusações, guerra de informações e tentativas de manipulação da opinião pública marcaram a disputa dos dois lados. O mais importante era chamar a atenção da comunidade internacional para a verdade. E foram apresentadas várias versões dela."
A julgar pelo filme, a guerra ainda não terminou...

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